Lá vai o trem com o menino

Ferreira Gullar é um grande poeta. Isso é unânime, dos irmãos Campos ao mais simples apreciador da arte poética ou de simulacros. Mas qual o tamanho da poesia? Tanto da de Gullar, como da Poesia, assim, com letra maiúscula.

Ontem, a morte de Gullar era tema em qualquer roda de amigos que tem o universo poético nas veias. Mesmo que sejam as famigeradas rodas (grupos) de whatsapp. Numa conversa de carne e osso ouvi uma declaração que me emocionou. Da importância que a poesia adquiriu na vida de alguém, depois que me conheceu e entrou de vez nesse mundo feérico, neural e atômico.

De certa forma, todos sabem o que é poesia e talvez, até, em determinado momento, alguém tenha lido uns “versos de Horácio”, mas a poesia como um dos elementos fundamentais da vida é mais raro, embora abundante nesse mundo gigantesco.

O poeta e ator Michel Melamed, certa vez, entrevistando o poeta Chacal, me presenteou com um brinquedo que passei a carregar pelo resto da vida. Chacal dizia: “eu sou aquele cara que ainda acha que a poesia vai salvar o mundo”… Então, de olhos arregalados, Melamed interrompeu, dizendo: “E não vai?”.

Não é uma relação metafísica, nem um onirismo ou uma fuga da realidade. De fato, a poesia é um estilo de vida, um religare, um aconselhamento, um aprendizado, uma metodologia. Nem melhor, nem pior que nenhuma outra.

Neste sentido, muitos circulam neste universo intenso e sensato, sempre em busca dos caminhos das pedras, das divinas comédias, das iluminuras, das folhas de relva, de ombros a suportar o mundo, o mundo grande. E esse mundo está povoado de poemas, um pode ser a luta corporal, outro pode ser sujo.

O Poema Sujo é a grande obra de Ferreira Gullar. Causou espanto quando surgiu. Primeiro lido numa roda de artistas e intelectuais, trazida datilografada, no bolso de alguém. Desde então vem nos ajudando, na vertigem do dia, a traduzir a vida, a traduzir uma coisa em outra coisa… Assim, como disse em outro momento:

Uma parte de mim
é todo mundo;
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera;
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta;
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente;
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem;
outra parte,
linguagem.

Traduzir-se uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?

E é essa questão, de vida e morte o trato universal da poesia. É o âmago da humanidade, este ínterim cósmico que nos dá a chance ser um significante neste terreno tão árduo. Talvez, o Poema Sujo, seja um roteiro de vida e morte. Foi feito, segundo o autor, num momento em que esta interrupção da vida, pra ele, era iminente. Ali ele rememora suas experiências e seus aprendizados.

E quando a gente mistura as genialidades, a vida, esta que nós temos, a única, se consagra como a oportunidade de realizar-se. E assim, Gullar segue seu destino de homem.

Lá vai o trem com o menino
Lá vai a vida a rodar
Lá vai ciranda e destino
Cidade noite a girar
Lá vai o trem sem destino
Pro dia novo encontrar
Correndo vai pela terra, vai pela serra, vai pelo mar
Cantando pela serra do luar
Correndo entre as estrelas a voar
No ar, no ar, no ar…

Uma sociedade de otários?

Quando Pierre-Jouseph Proudhon apresentou seu livro O que é a propriedade, talvez, no fundo todos soubessem como ele começaria, ou melhor, com qual palavra começaria. E este é o fenômeno que vinga no Brasil de sempre: começa sempre com Roubo, como o livro de Proudhon.

Duzentos anos se passaram depois da marca do filósofo francês, assim como as propriedades passaram, a maioria de pai pra filho, e muitas outras conseguidas através da mesma astúcia verificada pelo pensador de Besançon. Ou seja, nada mudou. A palavra da vez na profunda crônica político-social das redes sociais é “otário”, como atributo do povo brasileiro frente ao caos insano da corrupção que se verifica em tantas instituições do país.

São deputados cinicamente legislando em causa própria, buscando perdão por crimes repetidamente cometidos, como caixa-dois. São Ministros de Estado escancarando o tráfico de influências em questões pessoais comezinhas, como compra de apartamento de luxo na orla soteropolitana (mais propriedade, Proudhon!). Enquanto isso a realidade cotidiana da maioria do povo brasileiro não escapa da alimentação, transporte, moradia, trabalho.

O cinismo está chancelado na esfera política. Não difere em nada das velhas cortes monárquicas, onde a lei era a palavra do rei e pronto. Os nobres pilhavam, estupravam e matavam sem censura e sem vergonha. Ainda agora, aos súditos e cidadãos resta o silêncio e a dor.

Onde estão os paneleiros dos Jardins, de Higienópolis, de Pinheiros? Será que ainda comemoram o triunfo de Dória e a queda da Dilma? Tem uns gatos pingados trancafiados em Curitiba (por quanto tempo?), mas as práticas aqui fora continuam as mesmas, apenas mudaram os personagens. E o silêncio de otários e espertos é o mesmo.

Estamos no reverso. É uma nova era de decadência humana no Brasil. Sofrerão mais os mais miseráveis, suplantados por criminosos sob a cumplicidade ou incompetência institucional da Justiça e pela operacionalidade da lei construída por construtores mal intencionados. E o silêncio se abate em todos os lares. As “ocupações” são meras guerrilhas, mais enervantes do que eficazes. As greves, inócuas, frente ao gigantismo da indecência estatal perante os danos sociais.

Estamos nos tornando um povo pior, risível aos olhos de observadores externos. Nós, com nosso sistema de privilégios medievais, com nossa injustiça medieval e nosso comportamento social medieval. A minha geração está condenada a morrer assim. Que nossos filhos mudem isso.

Mortes, roubos e prisões, o obscurantismo no Brasil

Vivemos um momento em que os movimentos sociais estão em cheque, demonizados, estigmatizados, incompreendidos, manipulados. Desde as manifestações de 2013 há um bombardeio constante da mídia conservadora a qualquer movimento popular contestador. Com exceção dos panelaços paulistas contra o PT, tudo é visto como terrorismo.

O resultado disso é violência. E justificada institucionalmente. O cúmulo é a frequência de imagens nas tevês e redes sociais de policiais treinados, equipados e armados dando rasteiras em adolescentes, professores, sem-tetos e sem-terras por aí. Se reunir para contestar e protestar voltou a ser uma atividade “subversiva”, como eram as reuniões sindicais e estudantis, na década de 1970, quando os discursos eram aplaudidos com o estalar de polegares e médios, para que o barulho das palmas não chamasse a atenção da “repressão”.

Vemos grupos invadindo a Congresso e pedindo intervenção militar. De onde vem esse pensamento obtuso e equivocado? Vem do processo incompleto da saída da ditadura militar e do processo incompleto da redemocratização, quando um sem-número de crimes ocorridos nesse ínterim foi varrido para baixo do tapete deixando as pessoas alienadas do real significado da ruptura institucional por que o país passou.

Em entrevista esta semana o ex-ministro de estado e professor da Universidade de Harvard, o brasileiro Roberto Mangabeira Unger fez afirmações de uma simplicidade jornalística e de uma verdade incontestável a respeito da ressignificação da cidadania no Brasil e no mundo. Reproduzo a parte que ele fala do trabalho e da representação de classe; diz Mangabeira que “Temos no Brasil 40% da população brasileira na economia informal. Na economia formal, uma parte crescente dos trabalhadores está em situação de trabalho precarizado. Se você somar os informais e os precarizados, é a maioria da força de trabalho do país. Quem os representa? Qual é o projeto para organizar, proteger e qualificar essa maioria? A esquerda tradicional não faz isso. Ela faz parte do corporativismo das minorias organizadas, que comandam o país”.

Esta semana, em Goiás, um pai matou o filho a tiros por que não admitia que o filho participasse de manifestações e invasão de escolas; em seguida o pai se matou. Aqui em São Luís, um homem de menos de 40 anos de idade, vivendo uma situação financeira estável, resolveu matar a própria cunhada por motivos até agora obscuros. É essa a esperança e a angústia que perpassa o universo de oportunidades que o brasileiro vive? De que só resta matar e morrer?

Em 2013 o povo, descontente, foi às ruas. Era preciso mudar. O governo eleito estava sendo questionado. O modelo estava sendo questionado por apresentar resultados e contingências que desagradavam os brasileiros. E era um a multidão.

Mangabeira Unger participou dos governos Lula e Dilma como Ministro de Assuntos Estratégicos. Ele viu de dentro a construção e a ruína do governo do PT. “Na nossa realidade, o formato desse enigma foi ter confiado num projeto baseado na massificação do consumo e na produção e exportação de commodities. Enquanto a mineração e a pecuária pagavam as contas, funcionou. Quando deixaram de pagar, ruiu”.

As cadeias estão cheias de criminosos ricos. Esta semana foram presos dois ex-governadores do Rio de janeiro. Todos sabem que os três poderes pagam supersalários, muito, muito acima do teto constitucional. Todos sabem que os mais ricos pagam menos imposto do que a classe média. O desemprego passa dos 11%. E o pacote fiscal do atual governo afeta primeiro justo da classe média.

Não vai ser a polícia, nem o exército, nem a PF nem nenhum governo, ilegítimo ou legítimo que vai controlar a vontade do povo para sempre. O momento é delicado. As brutalidades estão nas telas de TV, de computadores e de aparelhos celulares. Não é hora de jantares elegantes e ternos refinados. É hora de acabar com a pilhagem, com a bandalheira, com o desrespeito institucional e financeiro. É hora de começar a criar um novo Brasil.

abóboras e galáxias

“Toda elevação do tipo “homem” foi, até o momento, obra de uma sociedade aristocrática – e assim será sempre: de uma sociedade que acredita numa longa escala de hierarquias e diferenças de valor entre um e outro homem, e que necessita da escravidão em algum sentido”.

Nietzsche

Quando o pistoleiro levanta o cano da arma, por trás do raciocínio mineral dele há um contrato metafísico que o autoriza a ceifar a vida de quem que seja. Veja bem: a astutueza do lúpus operandi é tamanha qual a de um lúmpen faminto: perdeu-se tudo, até a humanidade, resta o instinto e um paradigma canino, animalesco que não distingue nobreza (ou justiça) de covardia.

De um desvio do seu ombro de trabalhador, cidadão honesto, mire e veja a nossa presidente obrigando assalariados de merrecas a pagar imposto de renda em detrimento de milionários e bandidos bem postos em cantos estratégicos do país: tudo é lobby. (O “Quinto dos Infernos”).

O velho alemão maluco nos mostra que eternos retornos podem ser bem amplos. Afinal, isto que ocorre nas prisões, nos postos fiscais, nos estádios, nos hospitais (paremos por aqui) onde o estado paralelo desmanda e abafa a necessidade cidadã de direito, criando uma nova comunidade, onde o que manda é a força da bala, dos tratores de esteira, dos helicópteros… Tudo é barbárie, tudo é espada, tudo é punhal, embora mãos sujas de sangue mantenham corações brancos. Lady MacBeth, lady Dilma.

Tudo é covardia!

É como olhar pro afilhado faminto e, em nome, da fome, devorá-lo: “só sobrou você”.

Aguenta!

“O pensamento é uma mentira, como o amor e a fé. Pois as verdades são fraudes e as paixões, odores; e, no final das contas, a escolha está entre aquele que mente e aquele que fede”. (Cioran).

As textualidades trazem um conjunto de marcos; até a cosmogonia é recurso metanarrativo, com as teses do Big Bang, que cria ou do Grande Filtro, que muda.

Há os ciclos, mas é mera forma analítica, afinal já abandonaram tantas (embora o Barroco e Descartes ainda sejam estética e suporte de pensamentos timbiras), mas há um “em curso”; se se divide e nomeia para entendê-lo, é que a forma de pensamento ainda esgrima com as possibilidades.

Vive-se o básico, malmente mata-se a fome de poucos e diminui-se a dor de menos ainda.

Mas quando o pão e o azeite são tirados de “Eternos Atenienses” empanturrados, porém, famintos, restam-lhes as unhas e os dentes para atacar os inimigos.

Os porcos fuçam e as nuvens passam; há uma miséria em Pedrinhas e Rigel Kentaurus devoraria o Sistema Solar mais fácil que Saturno devora seus filhos. Lógica formal, diria Ozi.

A carreta de abóboras sai da roça torta e desequilibrada, mas chega ao destino arrumada.

A roça continua torta e desequilibrada.

Eu voto como quem morre

E nestes versos de angústica rouca,
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

– Eu faço versos como quem morre.

Manuel bandeira

O povo brasileiro está a beira de dois tipos de angústia. A primeira vai durar alguns dias, a campanha do segundo turno para a Presidência da República, quando não se sabe quem vai ganhar. A segunda, os dois meses que separam a entrada do novo governo, que pode não ser tão novo assim. Vamos por duas subdivisões. A primeira é se Dilma vencer. Teremos um novo governo? A parte podre será cortada?

Primeiro é preciso que o governo entenda que a estrutura criada por Lula, que gangrenou e não poderia deixar de gangrenar, tem que ser esquecida, extirpada. Por este ralo devem escorrer abutres, hienas, micróbios…

Será possível?

Lula tem que virar passado. Era um remédio com data de validade curta, com princípio ativo de metabolização mutante. Ele não age mais, ao contrário: envenena.

Isso pode ser observado no primeiro turno. O povo está com ojeriza de conchavos, não quer saber de parêntesis. Se isso já tivesse sido resolvido nem haveria segundo turno, mas Dilma ainda reza na cartilha de Lula. É preciso escrever uma nova; Será ainda possível?

As conquistas são inegáveis, mas terrorismo – o medo da perda do Bolsa Família e etc. – é tolice, fundamentalismo ideológico. É preciso virar a página, Dilma e o projeto do PT (o do bem) ainda tem fôlego, falta coragem. Ficar retendo, protelando avanços, protegendo canalhas é sinal de fraqueza estadista, de visão de futuro. Faz a tua parte, faz o que tem que fazer e vaza!

Como por exemplo, as reformas política, fiscal, jurídica… Bom… Há o medo da santa e da profana inquisição. Então é hora de se sobrepor ao medo. Como? Juntando-se ao povo; mas de fato.

E se o Aécio vencer? Bom, aí teremos um novo governo de fato. Quase começando do zero, tendo até que dar uns passos para trás pra seguir seu caminho natural. Perderemos dois anos. O que pode acontecer então?

Desde o governo Itamar, quando FHC tomou as rédeas do país e, embarcando numa onda internacional, tirou o país enterrado por Sarney, Collor e os governos militares, de um abismo medieval; desde então tudo mudou. O PSDB fez a parte dele. A boa e a ruim – a boa foi aproveitada por Lula e o país seguiu a onda sempre em frente, conquistando espaço e distribuindo espaço. A parte ruim ficou – a privataria tucana – e está lá, debaixo do tapete, junto com tantas outras, algumas novas, bem novinhas, que já estão lá, como, por exemplo, o “não sabia” de Lula do mensalão.

A Dilma tem problemas com a Petrobrás, com os aliados suspeitos um PIB fraco, uma balança comercial comprometida, inflação em alta, enfim ela tem isso por que tá no governo, quem ganhar herdará.

O Aécio tem o aeroporto na fazenda do tio e o helicóptero do Perrella (que também é da Dilma – uma vez que não foi investigado). E tem um mandato de senador medíocre, perdeu o governo de Minas para o PT, ou seja, quem mais conhece o Aécio, não aceitou o aval dele.

“Os demais podem deixar o sermão, pois não é para eles. “.

Ergo sun

“Se o demônio vem bramindo, os mesmos bramidos dão rebate do perigo, e ninguém haverá tão descuidado, ainda que esteja dormindo, que não esperte assombrado, e se acautele; porém, se o demônio vem mudo, debaixo do mesmo silêncio, em que se esconde o perigo, descansa e adormece o cuidado”.

P. Antônio Vieira – “Sermão do demônio mudo”

A guerra é triste. Mesmo a sem sangue.

Acabou a guerra legal. Sobrou a ilegal. A mulher que difama a mulher que lhe tomou o homem. O homem que esmurra o homem que lhe tomou a mulher. Tudo é rude.

Hoje morreram dois homens soterrados, no Mix Mateus, a mega cadeia timbira de supermercados. No começo da semana morreu a mãe de um candidato. “Cara de Cobra” foi morto em conflito com a polícia. Os times de candidatos insultam-se mutuamente nas redes sociais. Ou seja, independente da pressão barométrica tudo corre normal na ilha de Upaon-Açu.

“ Write it damn you, write it! What else are you good for?”

O complexo penitenciário de Pedrinhas é o Vesúvio, o Fuji, o Kilimanjaro. Nem adormecido, nem em atividade. Se fosse um calcanhar, seria o de Aquiles. Se fosse olhos, seria os de Édipo em Colono. Se fosse uma revolução, mataria Trotski com uma machadada na cabeça. Se fosse uma música seria “Metrô, linha 743”.

É o Guernica: “Per me se va ne la città dolente”…

Um campo vasto, cheiro de morte, de miséria e sofrimento futuro. Alguns estão desesperados, esperam pela lança que lhes confira o golpe de misericórdia. Mas como víboras peçonhentas ainda podem matar com sua baba cristalina, com suas ações de estremecimento de morte, ou como carniça venenosa.

Os guerreiros, de todos os lados, suados, queimados de sol e areia, perambulam nesse ínterim infinito como instante recortado.

Orações quânticas. A relatividade é um sonho mudo e preto e branco. Sentado ali, na beira do abismo (e olhando pra ele tanto que ele acabou devolvendo o olhar). É o choque que vai gerar a matéria escura?

Um campo vasto. O Liso do Sussuarão.

Este bramido de cor escura tenho ouvido no alto das portas, nos ecos das rádios, nas penas dos escribas mercenários ou lumpens, sinceros ou jalapas. Guizos, esturros, orneios, gemidos, lamentos: a bachiana em boca chiusa jamais escrita.

Em algum círculo, mais ou menos próximo do diabo, alguma porta talvez resista a ser aberta. Talvez um santo pairando sobre o solo venha para afastar de vez os condenados. Mas as portas estão cedendo, se abrindo; não importa, que devamos esquecer a esperança, afinal, este abismo é nosso: a fonte do bispo.

Agora ficam as fofoqueiras, as futriqueiras, as focinhas. O que foi feito está. É um sétimo dia (ou mais de um); artistas, deuses, criadores saem de cena. Estão atrás ou além ou acima de suas obras, invisíveis, aprimorados fora da existência, indiferentes, aparando as unhas.

” Lamentável, lamentável”

As coisas pagam justa reparação umas às outras pelas injustiças que cometeram entre si, segundo a ordem do tempo.

Anaximandro – pensador grego, pré-socrático

 

 

A presidente Dilma é durona. Foi torturada. Ela não dá mole mesmo, já sofreu na pele a violência. É do tempo da truculência. Quando as manifestações tomam conta de São Paulo ela comenta: “Lamentável, lamentável”.

E as pessoas esperando para irem para seus de trabalho; mas esperando sentados. Os mais intrépidos: caminhando; e estão a beira de seguir não apenas caminhando, mas também cantando, seguindo a canção.

Somos todos soldados, armados ou não.

Outro dia o cientista político Francisco Araujo afirmou que a população está à beira da fúria. Esta semana, relembramos os 25 anos do Massacre da Praça da Paz Celestial, na China, onde centenas de pessoas foram fuziladas pelo Exército Vermelho.

A presidente Dilma pôs o exército nas ruas. Meu amigo, o ator e poeta Dyl Pires se mostrou horrorizado ao descer a Rua Augusta, até a Praça Roosevelt, na capital paulista seguindo através de um corredor de soldados, daqueles armados (se amados ou não, veremos).

Será que teremos um massacre da Arena Corinthians?

Lamentável, presidente, é termos um estádio com grama tratada no ar condicionado e hospitais sem maca, sem médico e sem analgésico ou anestesia.

Mas turistas estrangeiros não levarão os estádios e os metrôs (?), né, presidente? Esses mesmos estádios com ar condicionado, mármore e mobília requintada, e o mesmo metrô em greve, que não funciona, não é suficiente e faz do povo: sardinha.

Mas isso, quando a fúria chegar e o povo botar fogo nessa joça, a senhora bota a polícia militar, o exército (o mesmo que a torturou), bota logo as Forças Armadas sobre o povo e mata todo mundo, aí nada mais terá “a lamentar”.

Largai toda esperança ou Nome aos bois

Per me si va ne la città dolente,
per me si va ne l’etterno dolore,
per me si va tra la perduta gente.

Giustizia mosse il mio alto fattore:
fecemi la divina podestate,
la somma sapienza e ‘l primo amore.

Dinanzi a me non fuor cose create
se non etterne, e io etterno duro.
Lasciate ogne speranza, voi ch’intrate.

Dante, A divina comédia, Inferno, Canto III

 

Giles Deleuze nos explica o que é ser de esquerda. Simples, como cães e gafanhotos nas esquinas (como diria Tristan Tzara). Para Deleuze ser de esquerda é uma postura que vem de longe pra perto. Uma postura de direita seria o oposto: parte do próprio umbigo e dali não sai.

Nessa mesma entrevista, Deleuze fala que nunca houve no mundo nenhum governo de esquerda. Alguns trouxeram uma ou outra ideia de esquerda, mas pára por aí.

Aliar-se aos inimigos, que, além disso, são inimigos do povo (alguns são inimigos da lei) é uma atitude de direita?

Um político destruir a imagem de outro num momento e depois mudar completamente o discurso e passar a enaltecer a imagem desse mesmo outro é aceitável? Essa parelha é digna de confiança?

O povo, essa imensa massa, esse ser gigantesco, tem como característica principal a ingenuidade. Isso mesmo! Estamos sendo geridos –  nosso trabalho, nossas ações, nossa vida, nosso próprio ser, nosso “destino”, tudo está nas mãos dessas pessoas.

É impressionante como algumas perguntas, algumas idéias, alguns conceitos nos parecem tão batidos, tão pequenos, tão ingênuos, mas ao fim e ao cabo são equivalentes, tem a mesma natureza, a mesma essência que um parto normal. Dali, com dor e sangue, surge o ser.

Tentar entender atitudes de políticos é uma ação crua e cruel. É um sofrimento. Não se parte do cívico, do republicano, do social (aliás um desses monstrengos que achincalharam o país tinha programa chamado “tudo pelo social”). Nada foi social, nem cívico, nem republicano.

Hoje acompanhei um exercício de civismo. Vi através das redes sociais a recuperação de um discurso da deputada Cidinha Campos, a que chamei de nome aos bois (tá aqui: http://www.youtube.com/watch?v=q21rM03_R18). O discurso é antigo, de 2010, mas o que vejo é que de lá pra cá tudo piorou. O termo civismo foi quase que totalmente substituído por cinismo, afinal é uma letra.

Outro dia a ilustre presidente da república nos brindou com a afirmação: “Ninguém, quando voltar do Brasil, sairá daqui e levará na mala estádio, aeroporto, obras de mobilidade urbana… Sabe o que eles podem levar? A gratidão, pela forma como foram tratados. Isso eles levam na mala. O resto fica aqui, para nós”.

Será cinismo? Tripúdio?

Pois é! Ficam as obras inacabadas, superfaturadas, mal executadas e um rombo de 90 bilhões de reais. E a FIFA, esta hiena, sai alimentada, locupletada, obesa e segue podre atrás de outro idiota.

Enquanto isso, continuamos com milhares de analfabetos, sem teto, sem terra, doentes e, entre outros, criminosos soltos, operando, livres, ricos; entre estes, muitos, detentores de mandatos, cargos públicos.

Enquanto isso, as folhas com os direitos escritos na Carta Maior (assim como em todos os outros compêndios de leis) continuam atiradas no fundo de um banheiro de pobre, para ser usado quando necessário.

A linha de sombra

Sim. Vai-se adiante. E o tempo, também, caminha – até que se percebe logo adiante uma linha de sombra avisando-nos que também a região da mocidade deverá ser deixada para trás.

Joseph Conrad – A linha de sombra

 

Há um livro de Conrad que gosto muitíssimo chamado A linha de sombra. É a história de um marinheiro (pra variar), um imediato, que resolve abandonar o mar. Mas exatamente quando ele se prepara para voltar para casa surge um convite para que ele comande o um navio cujo capitão morreu. Perante isso o marinheiro resolve adiar a retirada.

Que tem a ver isso com as eleições 2014? Nada. A não ser que um ordenador do caos, apaixonado por tempestades e bonanças, por pestes e enriquecimentos, ou seja, pela vida, traga os freios para o trem que surge iluminando o fim do túnel e que certamente nos matará a todos.

Imagine que um capitão morreu. Outro que estava fora da esfera é chamado para comandar o barco; é um itinerário curto, num mar conhecido. Mas “tudo é perda, tudo quer buscar: cadê?” Logo de início há uma tripulação viciada, histérica, arredia, heterogênea. O clima é tenso. Depois uma estranha neblina se instala sobre o mar, nenhum filete de vento; nada se vê, nada se mexe. E então aparece a peste. Marinheiros doentes, sofrendo alucinações, e, enfim morrendo.

Conrad nos dá esta linha de sombra como um marco na vida de um homem; a passagem da juventude para a idade madura. Aquele personagem do grande escritor inglês (nascido na Ucrânia – hummmmm) é o timoneiro do caos.

Será que há alguma semelhança com algum comandante das eleições aqui no reino maranhanguara?

No livro de Conrad o fim dessa história é obtuso. O barco chega ao porto; tarde, bem tarde, contando apenas com três ou quatro marinheiros vivos. O novo comandante ouve umas piadas, mas aquilo que ocorreu no mar somente ele sabe (ele e os sobreviventes – mas sobreviventes a que mesmo?); e não foi fácil.

O personagem de A linha de sombra é um homem do bem (um homem do início do século passado – nada a ver com… bem, sem comparações com o reino animal). Ele atravessou o nevoeiro. Cumpriu seu destino (?), trouxe seu barco e os homens que sobraram. Mas ele teve êxito?

Na política, o êxito é a vitória. Não importa o que ocorra com a tripulação.

Ler Joseph Conrad.

Ler a política do Maranhão.

Atravessar a linha.

Aletria e hermenêutica

É coisa de desenganar os olhos. Cada esquina que viramos o leão tá lá. E vamos de pau nele, afinal o que nos resta aparte a luta? Não é uma questão de desconstrução, ou desmiolonamentos. Aforismos modernos é o que nos atiram na cara o auto carimbo de competências; logicamente acompanhado de êxitos sobre nós… Ainda que falsos. Pegou: pegou. Azar de quem.

De mim pra mim me faltam espelhos, lá do fundo da alma; o resto é piada barata que faço de conta que sou exímio. Mandinha chora de dó. Mas vou; e ouço. Só não faço, nem obedeço. Isso só de chefe. Ou certificado ou conquistado.

O grande homem seria aquele super de Nietzsche? Lá tenho minhas dívidas: estudei pouco. Mas só apregôo às meias, achando que é certo; não sendo, pequei! Os outros, não sei.

Será de fato que o escorpião se mata? Diz o povo que cascavel morre de raiva. Desandanças à parte, vi de perto, desentendi na hora; anos depois um biólogo me explicou: que a bicha não morre não é de raiva e sim de uma síncope fatal (de tanto medo). De fato é do coração. Sensível a peçonhenta, né?

Mas o melhor, aplicando em humanos, é achar que morre de raiva mesmo. O que se dá nos contrariamentos. Mas quem somos pra julgar os outros, né? Vi a ocorrência da pobre cobra nos altos do Parque de Mirador, de belas veredas, donde o canto do chico preto nos encantou deveras, eu mais o Wolf, o Charles, o Russo e o Caju (este último nosso guia e gerente do parque, de formação nas Agronomias). Brinco com isso? Brinco! Lá brigamos eu e o Caju, homem grande, forte. Depois nos reconhecemos,vivos e saudáveis, como bons amigos, passados quase 20 anos ainda o somos, por respeito e reconhecimento mútuo – coisa rara.

O homem se aconchega nos iguais. Mas, fácil se entrega nos diferentes. Meu avô, lá das colônias de Santa Catarina, dizia, do modo lá dele, amarrar (ou não) as mulas juntas. Homem de perspicácia, quis ser vereador uma vez, não deu, sério demais. Comerciante de açougue seguiu. Tempos diferentes, de salames artesanais, preciosidades raras de hoje. Ainda encontro na saída nova da Pitanga rumo a Guarapuava. Uma polaca que faz.

O que mais de artesanal tem hoje? Pouca. Só nos quintais. Talvez nos quintanares de Bandeira. Também cantando um sulista, mais pra baixo um pouco, no Alegrete. Seduz-me isso? Deveras. Sou simples. Não construído; sincero: um erro?

Aqui não me trincam os dentes? Sou simples como aquele armariozinho tradicional aqui no interior do Maranhão: o pote no meio, os vários copos de alumínio distribuídos pelas prateleirazinhas e a concha funda pinduradinha do lado. O amigo leitor viajante da Rede Conhece? Credito não! “Risos!”.

Mas pra fechar, sem ir pros méritos e deméritos, encerramos, simplezinho, com Ortega y Gasset: “O homem é o homem e suas circunstâncias”. Podia ser com Ralph Waldo Emerson, mas… Deixa.

O resto é tudo aletria e hermenêutica; né, Rosa?